Ou por um crochê, ou por um tricô, um macramê, um caderno de desenhos, uma tarde na cozinha, ou na máquina de costura, umas flores para montar um arranjo. Eu bordo, vou falar de bordado, mas sinta-se livre para inserir sua atividade favorita aqui neste raciocínio.
Mas precisa ser uma atividade criativa, que ao final dela (ou no seu processo) produza uma coisa que antes não existia, de preferência uma coisa com utilidade mais estética que aquela utilidade utilitária do cotidiano.
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Estamos vivendo tempos enlouquecedores.
(para além do risco real de uma doença respiratória infecciosa que se espalhou mundo, e que nos força a mudanças radicais de vida, aqui no Brasil vivemos uma situação peculiar de termos um governo que discorda da concepção de pandemia com a qual o restante do mundo concorda; e dessa discordância nasce uma guerra narrativa que além de perigosa em termos práticos, é absolutamente exaustiva. E eu poderia citar aqui mais coisas complicadas que estão acontecendo agora, exatamente agora, mas acho que estamos todas muito bem informadas sobre tantas tragédias brasileiras, e o texto pode avançar).
Tempos enlouquecedores produzem angústias profundas, e muitas delas só se dissiparão com ajuda profissional, no consultório da psicóloga ou mesmo da psiquiatra. Mas um pouco de angústia pode ir embora, ou se dissipar, ou elo menos adormecer por algumas horas, quando estamos com as mãos ocupadas. Melhor ainda se a cabeça se ocupar junto, e nada melhor para operar esse milagre em nossas vidas que uma atividade criativa.
Uma faxina pode ter um efeito revigorante também, pois além de demandar energia física, as tarefas mais repetitivas geram um estado delicioso de distração, e você pode passar uma tarde inteira sem pensar em nenhum problema apenas porque está completamente distraída arrumando as gavetas do armário, ou organizando os brinquedos dos seus filhos, ou lavando tabuleiros com palha de aço até eles virarem espelhos.
Mas uma atividade criativa produz uma coisa um pouquinho mais interessante, mais gostosa, que é exatamente VOCÊ CRIAR ALGUMA COISA: algo que não existia antes, e que passa a existir só porque você foi lá e fez. Transformar um novelo em um cachecol, legumes esquecidos na geladeira em uma sopa incrível, uma ideia em um bordado finalizado… algo feito por você do começo ao fim. Quando você cria algo, experimenta uma sensação de poder, de controle, de satisfação, e a energia da próxima ideia pode fazer você atravessar, pleníssima, a pior das semanas.
Você pode começar com algo simples, que já saiba fazer talvez porque aprendeu com sua avó ou sua mãe. Ou alguma coisa que você SEMPRE quis fazer, mas por algum motivo besta nunca tentou. Ou você pode escolher uma coisa simplesmente porque ela cabe no seu tempo ou no seu espaço.
Eu bordo.
Eu bordo por muitos motivos, mas um dos principais é que quando sinto a linha deslizar de um lado para o outro do tecido, e depois ela se acomoda tranquilamente no desenho, e a cor da linha vai aparecendo no tecido claro, e a forma vai ficando visível; isso me acalma. Eu sinto (desde que comecei a bordar) que conforme o desenho vai se organizando no tecido, eu vou organizando minha bagunça interna junto. Eu sinto, enquanto estou bordando, que estou vivendo também, mas uma existência que tem a ver muito mais com as cores, as texturas, do que comigo, eu sou apenas o meio pelo qual essas coisas trabalham, como se o bordado só me usasse – rapidinho – para poder existir. Eu sinto o tempo passar em outro ritmo, descolado do ritmo das tarefas cotidianas. E eu penso também, muito, em tudo, em coisas sérias e coisas idiotas, penso nos próximos bordados que quero fazer, de que jeito posso aproveitar melhor um ponto da próxima vez.
Quando preciso soltar o bordado e assumir de novo minha vida fora dele, eu sempre penso que eu posso voltar a hora que eu quiser, ele vai estar me esperando. E assim vou fazendo as tarefas chatas, aturando a incerteza política, me distraindo desse isolamento interminável, esquecendo a saudade dos amigos, esquecendo da vacina que nunca chega, fazendo de conta por algumas horas que não vivo nesse país tão desigual e injusto.
AMIGA, COMECE AGORA. FAÇA ISSO POR VOCÊ.
Ah! Antes do texto terminar: você pode achar difícil começar uma atividade que você conhece pouco ou nada: e pode ser que nesse começo as coisas que você vai fazer “fiquem feias”, ou que elas não estão à altura do trabalho daquela artesã bombada do instagram (e que com certeza já é uma PROFISSIONAL da área)… não ligue para esse resultado inicial, pense nele como uma ponte, e essa ponte como a única coisa que te separa de um resultado melhor – o trabalho manual tem disso, é possível melhorar e melhorar e melhorar.
(como estamos vivendo o fechamento intermitente do comércio, e a escassez de alguns produtos dependendo da sua cidade, improvise se você não encontrar os materiais adequados: borde com linha de costura em uma fronha velha, e faça um bastidor com a embalagem da margarina; faça esculturas com massinha se você não encontrar argila, ou com jornal e cola se você não encontrar massinha; desenhe com caneta esferográfica no caderno pautado ou no papel do pão; crochete com aquela linha feia e sem graça que foi a única que sobrou na loja; pinte com café; desmanche uma roupa que você já tem só para poder costurá-la depois)
Amiga, comece agora.
Depois você me conta.
Lísia Maria / Bordadologia / maio de 2021
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Era o texto que estava precisando ler hoje! obrigada!
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